Shalom a Todas!!!!
olá meninas hoje vou fazer um post diferente, vou postar aqui a história de uma judia marrana, Adísia Sá.
A palavra “marrano” representava os judeus portugueses que foram
convertidos à força para a religião cristã no final do século XV, em
Portugal. Actualmente, o termo também é usado para definir os
descendentes desses judeus, muitos dos quais se esqueceram de suas
origens.
Achei muito interessante essa história dessa judia de muita garra e força que ultrapaçou todos obstáculos para seguir com sua fé, a história é um pouco longa mas vale apena ler até o final.
Entrevista com Adísia Sá
Ela
foi a primeira mulher a trabalhar numa redação de jornal. Foi pioneira,
uma das fundadoras, a implantar o primeiro curso de Jornalismo no
Ceará. Já trabalhou no magistério. É formada em filosofia. Como
escritora publicou “Metafísica para quê?”, “Fenômeno Metafísico”,
“Introdução à Filosofia”, “Ensino de Jornalismo no Ceará”, “Biografia de
um Sindicato”, “Capitu conta Capitu”, “Clube dos Ingênuos”, “Traços de
União”, “Jornalista Brasileiro” e “Três Mulheres no Divã de Freud”, com a
participação do médico psiquiatra dr. Cleto Pontes. Atualmente está
trabalhando em um livro sobre Iracema, de José de Alencar e quer
escrever uma releitura das mulheres judias.
Uma
mulher que sempre esteve á frente de seu tempo. E segundo a própria,
sem arrependimentos. Em nossa entrevista, Adísia Sá diz que trabalha sem
parar desde 1955. Teríamos que escrever uma lista enorme para aquela
mulher tão pequenina, que com oitenta e um anos de idade ainda bebe,
quase que religiosamente, um cálice de vinho do porto por dia, antes do
almoço.
Mas,
de uns tempos pra cá, algo além do amor e dedicação ao jornalismo vem
envolvendo Adísia. E é essa nova fase de sua vida que exploraremos na
entrevista. Uma jornalista cética que se apaixonou por uma das religiões
mais ortodoxas e conservadoras praticadas atualmente.
O
judaísmo entrou na vida de Adísia, como ela mesma disse, de forma
aleatória, despertando depois o interesse em buscar suas origens
judaicas. Sobre o holocausto, deixa clara a sua indignação, “foi um
grande distúrbio anti-semita”. Ao conversar com essa mulher judia,
(embora ela não use o termo, é na própria ênfase de se dizer não judia
que singularmente se reflete a forma mais nobre de sê-lo, pois demonstra
uma inabalável convicção das obrigações e atribulações de compreender e
respeitar a filosofia judaica) percebo em Adísia um sentimento de
afinidade muito forte, um sentimento de afinidade que é do povo judeu e
que é mais uma experiência mística do que algo que possa ser
racionalmente explicado.
A palavra “judeu”
deriva de Judá, filho de Israel, o mais proeminente das doze tribos e
ao assumir a fé judaica, ao aceitar os deveres religiosos e admirar sua
missão espiritual, você se liga também ao passado coletivo. Ela não
acredita em imagens, santos e muito menos em rosários ou crussifixos e
ainda afirma, sem a preocupação de ser julgada. Hoje se considera uma mulher com muito mais paz
de espírito, mais calma, mais feliz: “coisas que só a verdade divina do
judaísmo revela aos seus”.
É uma amante da
música judaica, a hora,
e dedica parte de seu tempo, mas não tanto quanto gostaria, à leitura
de obras rabínicas. Com opiniões intrigantes sobre guerra, D’us, morte e etc., ela nos levará por um caminho de conhecimento profundo, elaborado com boa fé, a boa fé judaica.
Na porta de entrada da casa de Adísia, uma mezuzá.
Ao chegar em sua casa, logo me deparei com uma mezuzá, um pequeno rolo de pergaminho (klaf) que contém, escritas à mão, duas passagens da Torá (Deut. 6,4-9 e Deut. 11, 13-21). Embora mezuzá
seja a palavra hebraica para umbral, o pequeno rolo que é colocado no
lado direito de quem entra na casa, é obrigatório na entrada de cada
cômodo de um lar judaico. Como toda boa judia, a mezuzá
me serviu para lembrar a presença divina e sua unicidade fixadas na
residência judaica. Um apartamento com decoração clássica e simples,
tons pastéis, madeira bruta, armários antigos e livros, muitos livros.
Uma seção inteirinha só com escritos sobre judaísmo, entre eles, a Torá, acima de todos por ser um livro sagrado, e o Sidur, que é o livro diário de orações. Maguen David, ou estrela de Davi e uma menorá, um candelabro de sete braços e um dos principais e mais difundidos símbolos do Judaísmo também
faziam parte de sua estante, entre corujas, bibelôs e outros objetos
menos significantes. Muito orgulhosa de sua coleção de objetos judaicos,
Adísia logo se explicou quando desafiadoramente lhe perguntei o que um
gordo boneco Papai Noel fazia em cima de sua mesinha de bebidas: “é de
Ivoneide, minha secretária”. Ah, sim, então tudo bem. Estávamos ali,
naquela sala aconchegante e com muita coisa em comum pra conversar. Os
judeus não mantêm atividades missionárias, exceto entre si mesmos, e não
estão interessados nelas. Por trás dessa atitude está a crença de que
não há razão para que ninguém que já não seja judeu possa querer
tornar-se judeu. O nosso encontro durou mais de duas horas e foi muito
difícil editá-lo em apenas quatro páginas.
D’us (os judeus não pronuciam o nome Deus completo como sinal de respeito) possui 72 nomes em hebraico. Todo judeu escolhe um nome simbólico para si. A senhora já tem um nome judeu?
Eu
não sou judia. Eu acredito que tenho uma ascendência judaica, mas não
tenho nenhuma ligação que oficialize essa ascendência. Ainda não
apareceu pra mim esse nome judeu. Mas vai aparecer, a minha tendência é
muito grande para continuar os estudos no judaísmo.
Qual a sua origem e seu “background” judaico?
Vários
sinais da minha família deram testemunha dessa origem. Inclusive meu
sobrinho é Jacó, meu avô era Jacó, meu bisavô era Jacó, meus tios, tem
sempre um Jacó na família com traços de judeu como aquele nariz
proeminente que é dos homens. E meu pai era um homem que não era de
freqüentar igrejas. E também havia costumes de alimentação que quando eu
cheguei já encontrei.
Por exemplo? Em que situação sua família fazia o ritual casher de não ingerir alimentos impuros?
Por exemplo… Nós não tínhamos o hábito de comer galinha á cabidela. Por causa do sangue.
Voltando a falar de suas origens judaicas, o que mais lhe chamou atenção para buscar sua ascendência?
Meus
bisavós moravam na serra de Ibiapaba, no município de Ibiapina. Isso
foi uma coisa que me chamou atenção. Porque eles tinham plantio de
cafezais na serra e quando o marquês Nassau veio para o Brasil ele
trouxe consigo muitos judeus que eram perseguidos e foram para Holanda,
grande abrigo dos judeus europeus que eram perseguidos tanto em Portugal
como na Espanha. E eles vieram por ali, com a expulsão dos Holandeses
foi um grupo para nova York e outros vieram para o Nordeste. Eles vieram
justamente contornando os rios. E fincaram suas casas nos morros para
poder observar qualquer movimento e tomar as providências em relação ao
que estavam comendo etc. etc. E isso ficou muito marcado. Meu irmão
Arlindo viajou para Ibiapina interessado em saber se alguém conhecia por
Jacó. Lhe respoderam: o Jacó? Aquilo era um judeu! E meu irmão
encontrou riscado lá na casa que foi de meu bisavó uma estrela de Davi.
Naturalmente já descobriram que ele era de fato judeu.
Quando
criança a senhora estudou em colégio de freira, uma representante da fé
católica quase destruiu seu sonho de ser escritora ao rasgar seu livro
de contos. Essa atitude pode ter sido inconscientemente responsável pela
sua decepção com a igreja católica e transição para a religião judaica?
Como aconteceu essa transição?
Não.
Não, porque eu vim me apaixonar pelo judaísmo agora, mulher feita.
Naquela época eu era uma estudante e não tinha ainda esse tipo de
preocupação.
O cristianismo é uma marca constante na vida de todo marrano. A senhora se considera uma cristã-nova?
Não.
A minha atração, a minha tendência, a minha busca por esse estudo
esteja talvez dentro da minha própria cabeça. Ainda não fiz o retorno.
O que vem a ser “o retorno”?
O
retorno é uma espécie de batismo, com imersão na água. Um mergulho com
uma oração, a pessoa fica completamente despida, é uma lavagem. Quando
um judeu reconhece suas origens e quer voltar a seguir o judaísmo da
família. Não sei em que momento eu e meu irmão fomos procurar nossas
origens. Meu irmão Arlindo sempre foi muito inteligente e preparado e eu
o imitava. Logo estávamos os dois buscando profundamente nossas causas.
Cada vez mais vimos as nossas raízes lá em Ibiapina, inclusive com um
inventário de minha avó. Só não te mostro porque meu sobrinho Jacó levou
pra ler. Interessantíssimo os bens daquela mulher. Se eu tiver que
fazer imersão na água será por retorno. Não conversão.
O que levou a senhora a iniciar os seus estudos no judaísmo?
Eu
estava na livraria cultura escolhendo meus livros e um amigo, Osvaldo
Araújo, que estava também comprando livros me perguntou: Adísia, você já
leu Bonder? Eu disse que não. Mas no momento adquiri e me deparei com
uma linguagem muito curiosa. E que leitura foi essa! Que eu aí me
apaixonei. O meu ingresso na literatura judaica foi muito aleatório.
Como o judaísmo é praticado em sua casa?
Eu apenas faço uma leitura diária do Sidur. Todas as manhãs eu faço a oração matutina.
Por
que ao longo da história o judeu sempre foi tão cruelmente perseguido e
mesmo assim continuou sendo um povo sábio, forte e unido?
Fala-se
muito dos romanos que mataram os cristãos e não se conta do morticínio
que fizeram aos judeus ao longo da história nesse país e nesse estado,
eram chamados cristãos em pé, ou “batismo em pé”. Ou você renegava a
tudo ou morria. Agora havia neste ato de matar um interesse peculiar.
Eles não só matavam os que não tinham nada. Matavam os judeus que faziam
riqueza. E é por isso que os judeus são conhecidos como sábios. Está
tudo aqui, na cabeça deles. O direito de ter terras e bens lhes eram
negados. Então eles foram se dedicar a música, a medicina, a ser
ourives. Porque o conhecimento ninguém podia tirar da cabeça deles. E
isso era e é passado de geração em geração. O judeu investe na cabeça
dos filhos porque é a única coisa que ninguém pode tirar deles.
Torá, livro sagrado do judaísmo
A senhora freqüenta alguma sinagoga? Qual?
Não.
Eu tive uma decepção muito grande na SIC. (Sinagoga da Sociedade
Israelense do Ceará). Primeiro eu vi uma moça com os ombros nus e com
tatuagem. Eu tomei um susto. E a minha chegada foi como se não tivesse
chegado ninguém. Não é a Adísia, eu era uma pessoa qualquer e estava
chegando na casa deles. E quando alguém chega na sua casa o que é que
você faz? você recebe. E ali eu fiquei muito chocada. Quando houve a
leitura, me pareceu extremamente mundana.
Sobre a ética judaica, o que mais lhe fascina nessa constante da nossa fé?
A
ética judaica é extremamente rica e fantástica. Ela é humana, é
grandiosa, é justa. Pra mim, é o que me apaixona no judaísmo, fora a
história, a literatura, é esse senso de justiça, de humor um com o
outro, a verdade, pois no judaísmo você não pode mentir.
E quanto a Caballah, o misticismo judaico, a senhora também estuda?
Eu
comecei a estudar, fiz cursos com rabinos, adiquiri livros, li
bastante, mas é muito profundo. É muito profundo. Não adianta você
querer ter aquele conhecimento das sefirots e não penetrar profundamente.
Acredita em reencarnação?
Eu
sou uma mulher muito cética. Muito racional. Quando eu me afastei da
igreja católica em 1955, me afastei principalmente porque tive um
pregador, que depois até largou a batina, que me disse certa vez que
quando a gente joga uma pedra na terra ou na água e espalha aquelas
gotículas, aquilo é como se fosse o ato da criação. Ou seja, não morreu,
não desapareceu. O mundo foi criado por uma explosão, por uma palavra,
mas a palavra não morreu. Ela se propaga. Agora reencarnação é muito
difícil pra minha cabeça. Que energia é essa que volta? Volta pra onde?
Não acredito em plano nenhum. Acredito que estou viva com oitenta e um
anos, viva e escrevendo.
O judaísmo é uma religião de 613 mitsvots
“mandamentos”. 613 leis divididas entre “isto tem que ser feito” e
“isto não pode ser feito”. Muitos afirmam não ter tempo de cumprir as
leis da Torá, mas dizem ser judeus de coração. Pra senhora, qual é o significado dessa declaração?
O
judeu não é só um ato intelectual não. Você não é judeu pela metade.
Tem uma piada que o filho chega pra comer um sanduíche de porco com a
mãe e ela o recrimina. Ele diz: mãe, isso é só em Israel. Ele vai sair
pra balada numa sexta feira, a mãe o recrimina e ele usa o mesmo
argumento. A mama íidishe olha para o filho e diz: mas a circuncisão você não tem como apagar!
O
messias cristão (conhecido como Jesus) é apenas um eufemismo para uma
paz utópica na terra. O conceito de messias foi emprestado e alterado
por outras religiões. De que forma a senhora como admiradora da fé
judaica defende a importância do Mashiach das profecias judaicas para os judeus e para o resto do mundo?
O
judaísmo é um exercício permanente que aperfeiçoa a mente. O judeu é um
ser sempre em contato com o Ser Supremo. E a sua relação com D’us está sempre firme e forte: a vinda do mashiach
é uma metáfora judaica. É uma metáfora da literatura judaica. No caso
do messias cristão, Jesus, esse não é nem citado na Torá.
E quanto ao conflito entre Israel e a Palestina? A senhora defende os judeus ou conserva uma opinião imparcial?
Não
vai terminar nunca. É briga de família e em briga de família ninguém
mete a colher. Aquilo lá é briga de primos, vem desde os tempos remotos
com Isaac e Ismael. Isaac, filho de Abraão com Sara (legítimo judeu,
filho de um milagre, pois Sara era já idosa e estéril) e Ismael, filho
de Abraão com a escrava Agar. Como todos devem saber, Isaac deu
continuidade ao povo judeu e Ismael ao povo muçulmano.
Como
todo pioneiro(a), a senhora deve ter vários projetos. Quais são as
principais linhas de seu plano de trabalho com relação à cultura
judaica? A senhora pensa em escrever sobre judaísmo?
Eu
já tenho um trabalho e estou querendo parar para terminá-lo. Estou
escrevendo um livro intitulado Meditações Sabáticas por uma Não-Judia.
Doutor Cândido Pinheiro já me ofereceu sua editora. Quando terminar o
livro será editado pela editora dele. Então, Meditações Sabáticas Por
Uma Não Judia, é a minha leitura dos livros sabáticos. Eu fiz uma
releitura de Capitu, de Ana Karenina de Madame Bovary, e agora quero
fazer uma releitura das mulheres judias. Sara, Débora, Judite, Ester,
etc.
Em
sua viagem para Israel a senhora ainda não tinha despertado para o
judaísmo e não fez o pedido ao muro das lamentações. Se viajasse
novamente o que anotaria no bilhetinho?
Nada.
É uma tradição. Eu acho que fazer porque os outros fazem, pra tirar
retrato, eu não faço não. Todos que estão ali, os judeus, eles fazem
com uma fé absoluta naquilo. Eu não entro muito nessa fantasia.
A
Torá é a fonte essencial da religião judaica e a base espiritual do
povo escolhido. Qual é o trecho que lhe transmite mais verdade, o seu
versículo preferido?
“Senhor, Salvai-a”. (Moisés pedindo por sua irmã Miriam).